Participação no debate #2

Durante o nosso trabalho, considerámos que seria útil para efeitos de análise e reflexão fazer uma comparação entre os nativos/residentes digitais e imigrantes/visitantes digitais. Esta dicotomia, na realidade, não é assim tão linear e fechada e, por isso, gostaria de reiterar que deve ser interpretada como um elemento/instrumento de análise. Além disso, como já referi num post anterior (Quinta, 21 Abril 2011, 18:27), não me revejo numa separação entre gerações. Por isso, na nossa análise, decidimos utilizar os dois conceitos em conjunto “nativo/residente” e “imigrante/visitante” para excluir essa fronteira de idades.

Para analisar a comparação, apresento-vos a descrição do que poderia ser um dia de um nativo/residente digital e de um imigrante/visitante digital. Os dois no mesmo contexto, com a mesma idade, na mesma turma, baseadas na comparação presente no nosso trabalho, o grupo Azul.


Maria, 17 anos nativa/residente digital. Tem uma extensa vida online, com expressão online visível. No espaço virtual, mantém relações sociais, pertence a comunidades, tem uma atitude colaborativa e de partilha, utiliza os serviços disponíveis.

O smartphone da Maria começa a tocar, é o seu despertador. Um novo dia está à sua espera! Enquanto toma o pequeno-almoço, consulta o seu horário escolar no Google Calendar, lê as principais notícias nos seus RSSs. Partilha o que considera importante no twitter, facebook, diggo… Antes de sair de casa, deixa o computador ligado, ela participa no BOINC e consulta no seu smartphone quanto tempo falta para o autocarro passar na sua paragem.

A caminho do autocarro, encontra o Nuno, um colega de turma que já vamos conhecer. Chegam os dois à paragem, e a Maria faz check in no Gowalla e no Foursquare. Entra no autocarro, ouve no iPod um podcast d’ “Os Lusíadas”. Chega à escola e começa a falar com os amigos sobre uma comunidade a discussão que está a ter no Zwame, uma comunidade de jogadores online. Toca a campainha. Vão começar as aulas.

Desliga o smartphone e sente que, durante 4 horas, perde o contacto com o mundo. Na hora de almoço, fala com os pais via skype e combina com a mãe encontrar-se numa cafetaria ao final da tarde. Como a mãe não conhece o sítio, cria um trajeto no Google Maps e envia-lho por e-mail.

Terminada a hora de almoço, tem pela frente mais uma tarde de aulas. Mas sente-se mais motivada! A professora de filosofia propôs à turma um trabalho 2.0! Durante um mês, estão a editar a versão portuguesa da wikipedia, corrigindo os dados incorretos e inserindo novos. Estão a criar uma página sobre o livro que estão a ler: “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. Para fazer este trabalho, e escrever de forma colaborativa, estão a usar o Google Docs. A professora gere e coordena o trabalho. Está a aprender muito sobre pesquisa online, localização de fontes credíveis e trabalho em grupo. Sente-se satisfeita por estar a contribuir para que toda a comunidade lusófona tenha acesso a conhecimento credível. Hoje também aprendeu sobre a definição de privacidade nas redes sociais. A aula já terminou! Nem se apercebeu do tempo a passar!

Terminam as aulas, vai ter com a mãe, ao fazer check in no café, apercebe-se que um amigo seu também está lá! Lancham os três, partilham contactos e ideias. A Maria quer fazer uma apresentação e precisa de usar o GIMP, mas não sabe como utilizá-lo. O seu amigo partilha com ela um site online com tutoriais em Creative Commons. De novo em casa. Liga-se ao Skype, ao Msn, ao Twitter e ao Facebook. Põe a conversa em dia. Joga World of Warcraft. Durante o jantar, o pai comenta que no dia seguinte terá um dia muito complicado e, para piorar as coisas, terá de passar no banco. A Maria ajuda o pai, ensina-o a utilizar os serviços de Online Banking, pode ir ao banco sem sair de casa. Antes de se deitar, atualiza o seu blogue, o seu diário online.


Nuno, 17 anos imigrante/visitante digital. Não reside no espaço virtual. Preocupa-se com a privacidade. Entra na Web para executar tarefas específicas. Tem uma atitude individual e meta-orientada. Não utiliza as redes sociais.

O Nuno levanta-se com o som do seu despertador, liga a televisão e ouve as notícias, de facto não há nada que lhe desperte o interesse, por isso, antes de sair vai à net e consulta o que a Maria já partilhou no twitter. Apesar de não ter conta, segue os links que a Maria partilha.

Sai de casa, encontra a Maria a caminho do autocarro, que lhe diz que têm de acelerar o passo, o autocarro está mesmo a chegar. Ele, ao contrário da Maria, não usa a Internet para estas coisas, selecionou um conjunto de ferramentas e, para o que precisa, bastam-lhe. Chegam ao autocarro. A Maria começa a ouvir um podcast e ele lê uns apontamentos que escreveu no word e imprimiu para ler nas horas mortas.

Entram na escola, a Maria sabe onde estão os amigos, leu no facebook. O Nuno não tem perfil nas redes sociais, não quer ter 400 amigos como a Maria! Tem a certeza que ela não os conhece pessoalmente a todos! Definitivamente, acredita que a net tem muitas coisas úteis, mas isto das redes sociais não o convence. Mais uma manhã de aulas, está mortinho que chegue a aula de Filosofia! Está a aprender tantas coisas novas! Wikipedia! Google Docs! Escrita colaborativa!

Vai almoçar à cantina com a Maria. Ela diz-lhe que tem de criar um trajeto no google maps para enviar, por mail, à mãe. O Nuno aproveita a oportunidade e pede-lhe que ela lhe ensine. O Nuno acha piada ao facto da Maria usar a Net para tudo, mas ao mesmo tempo considera que é demasiado, toda a gente sabe tudo sobre ela!
Começa a aula de Filosofia. A professora está a explicar como criar um blogue online, o objetivo é partilharem o percurso pedagógico. Debatem as questões de privacidade online e a própria Maria que entende tanto disto, vai mudar a configuração do seu facebook! O Nuno começa a pensar que talvez possa criar uma conta online, afinal quem decide as definições de privacidade é ele! Na segunda metade da aula, atualiza alguns dados da vida de Kant! Algo que escreveu estava publicado online. Ficou nervoso, toda a gente poderá ver e criticar o seu trabalho… mas, ao mesmo tempo, sente-se muito contente!

Chega a casa, janta, vê o telejornal com os pais. Vai à wikipedia e imprime o artigo que atualizou hoje. Explica aos pais que a qualidade de um projeto colaborativo, como a wikipedia, é responsabilidade de todos. Sente muito orgulho do seu trabalho! Os próprios pais, que consideram a professora de Filosofia um pouco estranha, ficam muito satisfeitos com o trabalho do filho. Quanto ao perfil nas redes sociais, o Nuno sente que tem de pensar mais no assunto! Vai dormir, amanhã será um novo dia!


É óbvio que exagerei ao traçar o retrato destes dois jovens. Mas queria sublinhar a diferença dos dois, um residente digital e o visitante digital. Mesmo que todos os alunos não sejam nativos/residentes a escola, na minha opinião, deve criar ambientes para os dois. As escolas são formadas por Marias e por Nunos, mas também por alunos que são uma mistura dos dois perfis. Por exemplo, no meu caso, considero-me residente no contexto profissional e visitante no contexto pessoal. Revejo-me nas palavras de David White (2009): “professionally, I’m very much the resident. I’m out there, I’ve got a persona online; when I log off, my personal, my identity, my professional identity stays out there. I’m on Twitter, I blog a lot, I’m quite happy to be recorded at conferences and have those things posted; and that’s quite important to me, professionally. But privately, non-institutionally, I’m very much the visitor. I don’t particularly want to put my private life, my family, out on the Web.”

Num estudo da EU Kids Online, publicado na semana passada, ficámos a saber que Portugal apresenta os seguintes números:

  • 38% das crianças dos 9 aos 12 anos, com acesso à Internet, têm perfil numa rede social;
  •  78% dos jovens entre os 13 e os 16 anos, com acesso à Internet, têm perfil numa rede social.

Este estudo revela que as crianças e adolescentes não estão suficientemente informadas para o risco de um perfil público, sem definições de privacidade. Creio que, na escola, em vez de proibir, deve-se explicar, mostrar os riscos, transformar os espaços pedagógicos.

Na minha opinião, o espaço pedagógico é também, necessariamente, o espaço digital. A criação e manutenção do conhecimento ao longo da vida, passa pela gestão que fazemos dos espaços, comunidades e recursos digitais.


Publicado domingo, 24 abril 2011, às 23:43, no fórum da Universidade Aberta.

2 comentários to “Participação no debate #2”

  1. Gostei. Interessante e esclarecedor. Os números sobre acessos a redes sociais por crianças e jovens são bastante impresionantes.

    • Boa tarde, Lina! Obrigada pela visita e pelo comentário. 🙂 Os números são, de facto, impressionantes! Não só os de Portugal, mas os de toda a Europa. No caso português, creio que, perante este dados, é necessário levar a cabo ações e formações não só para educadores e alunos, mas também para encarregados de educação e famílias, para que todos “vivam” (n)o espaço virtual de uma forma mais consciente e, na minha opinião, mais livre e fundamentada em escolhas esclarecidas. Volta sempre!

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